Artigos BíblicosRevelações do Santuário

SERVIÇO DO SANTUÁRIO TERRESTRE

Introdução
Provavelmente, todo estudante das Sagradas Escrituras já passou pela experiência de, ao decidir estudar a Bíblia na sua totalidade (por exemplo seguindo o “ano bíblico”), sentiu um profundo desânimo ao enfrentar livros tais como Levítico ou Deuteronómio devido à grande quantidade de leis e descrições cerimoniais que eles contem. Ao depararem-se com tal situação, alguns perguntam-se que proveito pode ter, para o cristão do século vinte e um, estudar as cerimónias praticadas pelos israelitas num passado tão distante? Como pode o estudo de tais assuntos dar satisfação à alma do crente? Múltiplas razões podem ser colocadas.
Primeiro, devemos notar que estando a vida religiosa do povo de Israel centrada no santuário, referências ao sistema ritual permeiam todas as Escrituras. Encontramos conceitos relativos ao santuário não só no Pentateuco, mas também nos Salmos, nos livros históricos, nos profetas e até mesmo no Novo Testamento. Há algumas passagens bíblicas que não podem ser totalmente compreendidas a menos que tenhamos algum conhecimento do Santuário e suas cerimónias. Um exemplo se encontra em Mateus 26:63-65. Perante a declaração de Jesus afirmando ser o Messias, o Sumo Sacerdote Caifás rasgou as suas vestes, atitude que lhe era proibida sob pena de morte (Levítico 21:10 e 10:6). Temos então que o verdadeiro condenado a morte era Caifás e não Jesus (Na verdade, este fato já invalidava o sacerdócio Levítico para ser substituído pelo sacerdócio eterno de Jesus). Em segundo lugar, por ser o sistema cerimonial uma representação tridimensional do evangelho, compreendemos que seu estudo pode significar um maior entendimento de verdades eternas, especialmente, da obra que Cristo realizou e está realizando em nosso favor.
Uma terceira razão para o estudo do Santuário é o fato de que muitas das profecias de Daniel e Apocalipse estão cheias de símbolos relacionados ao Santuário, logo se queremos entender as profecias devemos entender o Santuário.
As razões anteriores são válidas para todos os cristãos independentemente da sua denominação. Mas para os Adventistas do Sétimo Dia há uma razão adicional para o estudo do Santuário. Toda a estrutura teológica da Igreja Adventista depende da sua compreensão do Santuário e sua relação com o ministério sumo-sacerdotal de Cristo. Talvez por esta razão durante toda a história da Igreja muitos tem levantado críticas contra esta doutrina. A última delas foi feita pelo teólogo australiano Dr. Desmond Ford no começo da década de 1980, provocando grande impacto nos círculos adventistas, obrigando à Igreja a um profundo estudo das suas posições tradicionais, do qual, felizmente, saiu fortalecida teologicamente. Porém, isto nos mostra a necessidade de realizarmos um estudo o mais profundo possível nesta matéria para que a nossa fé possa estar baseada em firmes fundamentos e estejamos sempre prontos a dar a razão dela.
Significado dos Sacrifícios
A ideia de sacrifício aparece em toda a Bíblia. A primeira menção explícita de um sacrifício aparece em Génesis 4:3-5 (para alguns, a primeira evidência implícita da realização de um sacrifício se encontra em Génesis 3:21) e a última referência a tal assunto a encontramos em Apocalipse 22 onde Jesus é simbolizado por um cordeiro.
No período patriarcal, os sacrifícios representam um profundo ato de adoração chegando a ser uma suprema demonstração de lealdade como no caso de Abraão ao estar disposto a sacrificar seu próprio filho, o filho da promessa. Estas mesmas componentes de adoração e lealdade estão presentes no relato dos sacrifícios oferecidos por Caim e Abel. No livro de Jó aparece um outro aspecto importante do sacrifício: o sacrifício pelo pecado. Jó tinha por costume oferecer holocaustos pelos possíveis pecados que seus filhos pudessem ter cometido (notemos também a atitude intercessora e, de alguma forma, sacerdotal do patriarca). Na economia de Israel, existiam diversos tipos de sacrifícios (oferta pacífica, sacrifício de comunhão, sacrifício pelo pecado, holocaustos diários, etc.) que reflectem os diferentes aspectos já mencionados.
Mas apesar de toda esta riqueza temática encontrada na Bíblia acerca dos sacrifícios, podemos nos perguntar, por que Deus instituiu um sistema ritual aparentemente tão cruel? Responderemos esta importante pergunta especificamente no caso do sacrifício pelo pecado. No sistema de sacrifícios podemos identificar três ensinamentos básicos, a saber:
A consequência do pecado é a morte. Como veremos com mais detalhes posteriormente, quando uma pessoa comum pecava devia sacrificar uma cabra (Levítico 4:27-29) . Cada vez que havia um pecado alguém (no caso, a cabra) tinha que morrer por causa desse pecado. “Sem derramamento de sangue não há remissão” (Hebreus 9:22)
O pecador precisa de um substituto. Sabemos já que a consequência do pecado é a morte (Génesis 2:17, Romanos 6:23), mas também sabemos que todos nós somos pecadores e portanto estamos todos condenados a morte. Mas o ritual de sacrifício mostra que há um substituto, alguém que toma o lugar do pecador e recebe a penalidade no seu lugar permitindo que o pecador seja perdoado e viva.
O horror do pecado. Sem dúvida o ritual do sacrifício era uma experiência dramática. O próprio pecador devia matar o animal sacrificado (Levítico 4:27-29) salientando dessa forma que a vítima inocente morria pela sua causa. Assim, Deus queria mostrar toda a malignidade do pecado. Ao ver os símbolos dos sacrifícios se realizarem na vida de Jesus não podemos escapar ao vívido pensamento de que foram nossos pecados que levaram o Filho de Deus a morrer numa cruz.
Deus ordenou a Moisés que construísse um santuário onde através de rituais e cerimónias pudessem ser ensinadas as eternas verdades do evangelho. Hoje temos em Jesus o nosso grande Sumo Sacerdote, ministro do verdadeiro santuário (Hebreus 8:1,2), cumprindo todo aquilo que os velhos rituais anunciavam acerca d´Ele. É hora, portanto, de conhecer alguns detalhes deste sistema de adoração
O Santuário
Descrição do Santuário
O santuário construído no deserto ficava no centro da congregação, fato que realizava o desejo de Deus de morar no meio do Seu povo (Ex. 25:8). O santuário consistia em duas partes: o Átrio e o templo propriamente dito. Este último estava dividido em dois departamentos, a saber, o Lugar Santo e o Lugar Santíssimo. Sua orientação era tal que sua porta olhava para o Leste. Desta forma o adorador, ao entrar no santuário, dava as costas para o sol nascente, tão adorado pelos povos pagãos.
O Átrio
O Átrio (ou pátio) era o único lugar do santuário onde podia entrar o adorador. Neste lugar eram também realizados os sacrifícios. Ao entrar, o adorador encontrava primeiramente o chamado Altar dos Holocaustos (Ex.27:1-8, 38:1-7), onde eram queimados os sacrifícios. Este altar era feito de madeira de acácia e recoberto em bronze. Em cada um dos seus quatro cantos havia uma ponta (Ex.27:2). Entre o Altar dos Holocaustos e a entrada do templo, havia uma pia de bronze na qual permanentemente havia água para que os sacerdotes lavassem os pés e as mãos antes de entrar no santuário ou antes de fazer o sacrifício (Ex. 30:17-21). Pelo fato de ser o átrio o único lugar onde podia estar o adorador e também o lugar onde era realizado o sacrifício, podemos dizer que o pátio do santuário representa a Terra.
O Lugar Santo
Se pudéssemos entrar no Lugar Santo, através do primeiro véu, perceberíamos a existência de três móveis no seu interior: O candelabro (no lado Sul), o altar de incenso (no lado Oeste) e a mesa com os pães da proposição (no lado Norte).
O Candelabro O candelabro (Ex. 25:31-40, 37:17-24) era feito de ouro puro e tinha sete lâmpadas (de óleo) que deviam ficar permanentemente acesas. Em Apocalipses 1:12-13, João descreve Jesus andando entre sete candelabros e o verso 20 nos diz que os candelabros representam “as sete igrejas”. Portanto, somos autorizados a pensar que no simbolismo do candelabro de ouro podemos ver o Espírito Santo (o óleo) a actuar na Igreja possibilitando que seja “a luz do mundo”.
O Altar de Incenso O Altar de Incenso (Ex. 30:1-10, 37:25-28), era, assim como o Altar dos Holocaustos, construído em madeira de acácia. Porém seu revestimento era de ouro puro. O Altar de Incenso tinha também pontas em cada um dos seus quatro cantos. Encontrava-se no Lugar Santo frente ao véu que separava o Lugar Santo do Santíssimo. Era aqui que os sacerdotes queimavam diariamente incenso como intersecção pelo povo de Israel. Este incenso queimado representava as orações dos santos (Apocalipse 8:4).
A Mesa e os Pães da Proposição No lado Norte do Lugar Santo, encontrava-se a mesa onde eram colocados os Pães da Proposição. Esta mesa era feita de madeira de acácia e estava recoberta de ouro puro. Doze pães eram colocados sobre ela formando duas colunas de seis pães. Sobre cada coluna era colocado um copo com incenso (Lev. 24:7). O significado primário dos pães talvez tenha sido o reconhecimento de Deus como o grande provedor e da consequente dependência do povo. Mas uma segunda aplicação, de carácter messiânico, pode ser feita. Jesus declarou ser o pão da vida (João 6:35), portanto podemos pensar nos pães como símbolos de Cristo. É interessante constatar que Isaias nos informa que Lúcifer pretendeu colocar seu trono “no monte do testemunho, nos lados do Norte”, isto é, pretendia ocupar o lugar de Cristo.
Lugar Santíssimo
Após o segundo véu, estava o Lugar Santíssimo (Heb. 9:3), onde só o Sumo-sacerdote podia entrar e somente uma vez ao ano (no Dia da Expiação). Nesta parte de Santuário se encontrava a Arca da Aliança que continha as tábuas da lei (representando a justiça como um dos fundamentos do governo divino), um vaso com maná (que representa a graça de Deus dada através de Cristo, o verdadeiro maná, ver João 6:31-35) e a vara de Arão que brotou (que significa a aceitação do sacerdote como intercessor válido entre o homem e Deus, vide Números 17:8-10). Do lados da arca foi colocado o “livro da lei” para servir como testemunha contra o povo de Israel (Deuteronómio 31: 26). A arca (Ex. 25:10-22) era feita de madeira de acácia e estava completamente recoberta de ouro. Sobre ela, a modo de tampa, foi colocado o propiciatório, feito de ouro fino. Nas extremidades do propiciatório, foram feitas imagens de querubins (uma de cada lado). As asas dos querubins cobriam o propiciatório (formando um arco) e as fazes de ambos olhavam para o propiciatório. Era entre estes querubins que se manifestava a shekinah (a manifestação de Deus em forma de uma luz gloriosa). Neste sentido, a arca representava o trono de Deus. É interessante notar que em Génesis 3:24 Deus colocou querubins e a “chama de espada fulgurante” (Bíblia de Jerusalém) guardando a entrada ao Éden. Alguns comentadores vêem neste verso uma referência à shekinah manifestada entre os querubins. Desta forma, quando o adorador entrava ao átrio, ou os sacerdotes ministravam diariamente no Lugar Santo ou, com maior razão, o sumo sacerdote entrava no Lugar Santíssimo, era como se, simbolicamente, se aproximasse à entrada do Éden perdido.
Comentários Adicionais
Muitas pessoas tem-se sentido confusas pelo fato de que Hebreus 9:4 parece indicar que o Altar de Incenso estaria no Lugar Santíssimo e não no Lugar Santo como afirmamos anteriormente. Para entender esta aparente contradição devemos compreender a função do Altar de Incenso.
Ao queimar incenso no altar, o sacerdote realizava uma obra de intercessão. Como veremos posteriormente, esta obra era realizada todos os dias. Isto por si só nos indica que o Altar de Incenso não poderia estar dentro do Lugar Santíssimo pois nele só podia entrar o Sumo-sacerdote e somente um dia no ano. Por outro lado, o véu que separava os dois departamentos do Santuário, não chegava até ao tecto. Isto permitia que o fumo produzido pela queima do incenso chegasse até o Lugar Santíssimo, indicando desta forma que as orações e a intercessão chegavam até o trono divino. Vemos portanto que na sua função o Altar de Incenso estava intimamente relacionado ao Lugar Santíssimo, tanto que era possível pensar que fazia parte dele. É neste sentido que o Lugar Santíssimo “tinha”o Altar de Incenso, não que estivesse no seu interior, mas que estava a sua disposição.
O Sacerdócio
Tão importante quanto a estrutura do Santuário é o tema do sacerdócio (infelizmente, por limitações de espaço nos referiremos a ele brevemente). Todo o sistema de culto centralizado no Santuário está baseado no princípio que o homem pecador não pode viver por si só perante um Deus santo. Da mesma forma o pecado impede que o homem se aproxime a Deus livremente. Precisa de um representante, um mediador, um intercessor. Para realizar esta labor Deus chamou homens a actuarem como sacerdotes.
No período anterior a Moisés o chefe da família (e em alguma medida o primogénito) realizava funções sacerdotais. A Bíblia menciona, por exemplo, como Abraão construía altares e realizava sacrifícios. Mas o texto sagrado menciona neste período sacerdotes propriamente ditos como Melquizideque.
Quando Israel estava no deserto Deus chamou a Arão e os seus descendentes para o ofício sacerdotal. Eles deviam ter uma especial consagração a Deus e cumprir com as formalidades do culto (para ver algumas das normas de santidade dos sacerdotes referimos a Levítico 21). As vestes do Sumo Sacerdote (Lev. 28) eram ricas em simbolismo, mas por falta de espaço só consideraremos o peitoral e as pedras de ónix.
O peitoral era uma rica peça quadrada onde foram colocadas doze pedras preciosas e cada uma levava inscrito o nome de uma tribo de Israel. O peitoral era colocado na altura do peito do Sumo-sacerdote, desta maneira se indicava que o povo estava perto do seu coração. Adicionalmente, sobre cada ombro do Sumo-sacerdote havia uma pedra de ónix e em cada uma delas estavam escritos os nomes de seis tribos de Israel: o Sumo-sacerdote levava o “peso” do povo sobre os seus ombros. Tudo isto era para mostrar que para todos os efeitos de culto, o sacerdote era o representante de todo o povo perante Deus. Quando o sacerdote entrava no Santuário, era como si todo povo entrasse com ele. O sacerdote era o representante e o intercessor.
O livro de Hebreus (Heb. 8:2) nos ensina que Cristo é o nosso Sumo Sacerdote. Isto o torna o nosso único representante e intercessor perante Deus (I Tim. 2:5). Através d´Ele temos acesso a Deus e podemos entrar junto com Ele ao interior do Santuário Celestial (Heb. 10:19)
Consagração do Santuário
Uma vez construído o Santuário, deviam ser realizadas cerimónias de consagração tanto dos sacerdotes (Ex.29:1-37, Lev 8:1-36) e do próprio Santuário (Ex. 40:9-11). Todos os móveis do templo (tanto do Lugar Santíssimo, do Lugar Santo quanto do Átrio) deviam ser ungidos com o “ óleo da unção”. Esta obra foi realizada por Jesus no Santuário Celestial (Dan. 9:24).
Serviço Diário
Serviço no Lugar Santo
Cada dia o sacerdote devia cumprir as cerimónias realizadas no Lugar Santo. Todas as manhãs o sacerdote devia queimar incenso no altar de ouro e por “em ordem as lâmpadas” (Ex.30:7). Todas as tardinhas o sacerdote voltava a queimar incenso e ascendia as lâmpadas do candelabro. Já foi dito que o incenso representava as orações dos santos e que a luz nas lâmpadas representavam a acção do Espírito Santo na igreja de todos os tempos. O ascender inicial das lâmpadas foi cumprido por Jesus ao enviar sobre a igreja apostólica o Consolador (o Espírito Santo) no dia de Pentecostes (Actos 2). Mas assim como o sacerdote mantinha as lâmpadas permanentemente acesas, também o dom do Espírito Santo está constantemente sendo oferecido a nos.
Os Holocaustos Diários
Cada dia eram oferecidos em holocausto dois cordeiros de um ano. O primeiro cordeiro era sacrificado pela manhã e era queimado no Altar dos Holocaustos até a tardinha quando era sacrificado o segundo cordeiro que era queimado ate a manhã (Ex.29:38-46, Num. 28:1-8). Este era o chamado holocausto contínuo e, como os demais serviços diários, representava a contínua intercessão de Cristo em nosso favor.
Sacrifício pelo Pecado
Como já mencionamos anteriormente, o sacrifício pelo pecado fazia parte importante do ritual do Santuário e portanto passaremos a descreve-lo com detalhes. Perceberemos também como são ilustrados os princípios de substituição e transferência presentes em todo este sistema de adoração e, mais importante ainda, em todo o plano de salvação. Ao estudar este assunto vemos a existência de quatro casos a ser considerados.
Quando o Sumo-sacerdote Pecava (Lev. 4:1-12)
O Sumo-sacerdote representava o povo de Israel perante Deus, portanto se ele pecava todo o povo se tornava culpado (Lev. 4:3) e ficava sem intercessor. Neste caso, o Sumo-sacerdote devia tomar um novilho sem defeito e colocar a mão sobre a cabeça do novilho. Em este ato, o sacerdote confessava o pecado, demonstrava confiança no substituto inocente (o novilho, representando a Cristo) e transferia o pecado para o substituto. Em seguida, o sacerdote imolava o novilho e parte do sangue era levado ao lugar Santo e espargido sete vezes no véu que separava o Lugar Santo do Santíssimo (de alguma forma, o véu fazia as vezes de intercessor), o sacerdote colocava parte do sangue nas pontas do Altar de Incenso. Desta forma o pecado era transferido ao Santuário. O restante do sangue era derramado aos pés do Altar dos Holocaustos representando assim o sangue de Jesus derramado no Calvário. A gordura e os rins do novilho eram finalmente queimados no altar.
Quando a Nação Pecava (Lev. 4:13-21)
Neste caso, o procedimento era igual ao caso anterior com a única diferença que eram os anciãos do povo quem colocavam as mãos sobre o novilho.
Quando um Príncipe Pecava (Lev. 4:22-26)
Quando era um príncipe quem pecava, devia levar um bode sem defeito, colocar a mão sobre a cabeça do bode (com o mesmo significado que nos casos anteriores) e imolá-lo. Então o sacerdote tomava o sangue e parte dele era colocado nas pontas do Altar dos Holocaustos e o resto era derramado aos pés do mesmo altar. Notemos que a diferença dos casos anteriores, o sangue não foi levado dentro do Lugar Santo, portanto o sacerdote devia comer da carne do animal para que então o pecado fosse simbolicamente transferido ao sacerdote (vide Lev. 10:17-18). Novamente, a gordura era queimada no altar.
Quando uma Pessoa Comum Pecava (Lev. 4:27-35)
Neste caso o pecador devia levar, dependendo de sua condição social, uma cabra ou uma cordeira sem defeito. O restante do ritual era semelhante ao caso anterior.
Observações
Em todos os casos o pecador devia manifestar confiança num substituto.
Em todos os casos os pecados eram transferidos à vítima e ao santuário ou ao sacerdócio.
Os cargos de maior responsabilidade exigiam uma oferta maior. O pecado dum líder supõe uma gravidade maior pois afecta a toda a nação.
Os mais humildes não estavam excluídos. Todos podiam oferecer pelo menos uma cordeira. Jesus é o Cordeiro de Deus, a oferta que esta ao alcance de todos.
O Serviço Anual
Além do serviço diário, existia na economia israelita uma série de festas e convocações solenes que constituíam o calendário eclesiástico e que chamaremos o serviço anual do Santuário. Este serviço anual acha-se descrito mais sistematicamente no capítulo 23 do livro de Levítico.
A Páscoa (Lev. 23:4-5, Ex. 12)
A primeira destas festas era a Páscoa (Pesakh). Era realizada no dia 14 do primeiro mês (Nisã ou Abib). A primeira Páscoa foi realizada por ocasião da saída do povo israelita do Egipto, evento que passou a comemorar. No décimo dia do mês, era escolhido um cordeiro de um ano e sem defeito. Na tardinha do décimo quarto dia o cordeiro era morto e assado. A carne devia ser comida pela família aquela mesma noite com pães sem fermento e ervas amargosas. Na primeira Páscoa, as portas deviam ser ungidas com sangue do cordeiro para que a família seja libertada da praga da morte do primogénito.
A palavra-chave desta cerimónia é libertação. Por esta razão se torna um tipo do sacrifico de Cristo. Jesus nos liberta da escravidão do pecado e da sentença de morte que pesava sobre nós. Mas para isso Seu sangue precisava ser derramado e Seus méritos aplicados a nós pela fé.
Os Pães Ázimos (Lev. 23:6-8)
No dia seguinte à Pascoa (15 de Nisã) começava a festa dos pães ázimos (Hag Hamatzot). Durante sete dias não poderia haver fermento dentro das casas dos israelitas. Originalmente os pães ázimos representavam a saída rápida do Egipto, mas podemos ver aqui (e Cristo nos autoriza a faze-lo na Santa Ceia), no cereal moído, feito farinha e logo pão, um símbolo do corpo de Cristo quebrantado pelo homem e por causa do homem. Mas vemos também na ausência de fermento o símbolo de ausência de pecado em Cristo. E somos convidados a ingeri-lo, afim que faça parte do nosso próprio organismo como alimento, dando-nos, desta forma, vida.
O primeiro e o último dia desta festa deviam ser dias de “santa convocação” e nenhum trabalho servil devia ser feito (eram portanto sábados cerimoniais).
A Festa das Primícias (Lev 23:9-14)
No “dia seguinte ao sábado” (verso 11), isto é, no dia 16 de Nisã, era celebrada a festa das primícias (Bikurim). Neste dia os israelitas deviam apresentar no templo o primeiro produto (os primeiros molhos de espigas) da colheita. O sacerdote pegava o molho e o mexia perante o Senhor.
Esta cerimónia era um tipo da ressurreição de Cristo. Cristo é a primícia e a garantia da ressurreição dos justos no dia a volta de Jesus (Notavelmente, Mat. 27:52-53 nos informa que muitos santos ressurgiram junto com Cristo, fazendo a analogia com a festa da primícias mais completa e interessante).
Notemos como Jesus cumpriu estas festas morrendo no dia da Páscoa (14 de Nisã) e ressuscitando no dia 16 do mês, no dia das primícias.
A Festa das Semanas (Lev 23:15-21)
Cinquenta dias após a festa das primícias, celebrava-se a festa das semanas (chamado em grego Pentecostes e em hebraico Shavuot). Este dia era, na verdade uma santa convocação. Os israelitas deviam apresentar dois pães como “oferta mexida”. Simultaneamente, eram oferecidos cordeiros e bodes como sacrifício (na maior parte dos serviços e festas do santuário estão presentes os sacrifícios pois sempre a aproximação do homem a Deus se faz na base dos méritos do substituto, isto é , de Cristo).
Primariamente a festa simbolizava o agradecimento a Deus pela colheita. No Novo Testamento aparece associada ao derramamento do Espírito Santo (Actos 2). Esta relação se torna mais interessante quando percebemos que Actos 2:1 pode ser traduzido como: “Quando o dia de Pentecostes foi cumprido” (symplerousthai) que pode ser entendido como a realização antitípica daquilo que era anunciado pela festa. Foi também nesse dia que a igreja cristã teve sua “primeira colheita” logo do discurso de Pedro e a conversão de três mil pessoas.
Festa das Trombetas (Lev. 23:23-25)
No primeiro dia do sétimo mês (Tisri), realizava-se a Festa das Trombetas (Rosh Hashanah, ou melhor Yom Teruah). Neste dia, que era uma santa convocação, nenhum trabalho servil devia ser feito. No templo eram tocadas as trombetas (shofar). Este dia anunciava a proximidade do Juízo, o Dia da Expiação. Esta festa se cumpriu antitipica com a pregação do Movimento Adventista entre os anos 1840 e 1844.
O Dia da Expiação (Lev. 23:26-32, Lev. 16)
Durante o ano todo, os israelitas tinham ido ao santuário oferecendo sacrifícios pelos pecados e, como já vimos, segundo o principio da transferência, o pecado era de forma cerimonial transferido ao santuário ou ao sacerdócio. Portanto, fazia-se necessário efectuar uma “purificação” que eliminasse de vez o pecado. Isto se realizava no décimo dia do sétimo mês, no chamado Dia da Expiação (Yom Kippur). Junto com Páscoa este era o dia mais importante no calendário religioso judaico. Nenhum trabalho devia ser feito nesse dia (era, pois, um Sábado cerimonial) e o povo devia afligir suas almas (Lev. 23:27) e quem não o fizesse seria cortado dentre o povo (Lev 23:29). Talvez por este motivo, o Yom Kippur tem sido, tradicionalmente, visto pelo Judaísmo como o Dia do Juízo.
No dia da Expiação o Sumo-sacerdote devia vestir as roupas de sacerdote (vestes santas) e tomar um novilho para, primeiramente fazer expiação por si e pela sua casa. Também tomava do povo dois bodes sobre os quais tirava sortes: um bode seria “para o Senhor” e o outro “para Azazel” (sobre a origem e o significado do nome Azazel é muito pouco o que se sabe; uma hipótese – especulativa, claro – pretende que Azazel seria o antigo nome de um demónio do deserto).
O Sumo-sacerdote imolava o novilho pegava um pouco do sangue e entrava no Lugar Santíssimo levando também um incensário (isto era preciso para que ele não ficasse directamente exposto à glória de Deus). Ele deixava o incensário no chão frente à arca de tal forma que a nuvem de incenso estivesse entre ele e arca. Então com seu dedo espargia o sangue do novilho sete vezes sobre o propiciatório. Assim tinha feito expiação por si e pela sua casa.
Logo ele imolava o bode “para o Senhor” (que representa a Cristo), tomava do seu sangue, entrava novamente no Lugar Santíssimo e fazia da mesma como tinha feito com o novilho. Desta forma fazia expiação pelo Lugar Santíssimo (Lev. 16:16,NIV). Depois, repetia a cerimónia para fazer expiação pela Tenda da Reunião (Lugar Santo).
Uma vez feito isto, o Sumo-sacerdote, saia do Lugar Santíssimo e se dirigia ao altar “que esta perante o Senhor” (Lev. 16:18, provavelmente seja o altar de incenso, comparar com Êxodo 30:1-10). Tomava sangue do novilho e do bode e o colocava nas pontas do altar. Depois espargia sangue sete vezes sobre o altar.
Uma vez feito isto, a expiação estava acabada (Lev. 16:20)e só então o Sumo Sacerdote tomava o bode vivo (“para Azazel”), colocando as mãos sobre a cabeça do bode, confessava sobre ele todos os pecados do povo e o bode era enviado ao deserto. Notemos que este bode não participava do processo de expiação pois esta já tinha sido feita. Talvez o salmista se referisse a esta parte da cerimónia quando escreveu, falando acerca do ímpios: “entrei no santuário de Deus; então percebi o fim deles”. O bode por Azazel representa Satanás e todos os ímpios que, por não ter aceito o sacrifício expiatório de Cristo devem carregar o peso e a consequência dos seus próprios pecados, sofrendo assim a eterna separação de Deus e Seu povo (o que significa em última instância, destruição eterna). No caso de Satanás, ele deve levar também sua parte de culpa nos pecados dos santos por ter sido ele o originador da rebelião e o pecado (por esta razão os pecados do povo são confessados sobre o bode para Azazel). Desta forma o Dia da Expiação ilustra a final destruição do pecado e dos ímpios.
O Dia da Expiação antitípico começou em 1844 tal como foi anunciado pelo profeta Daniel (Daniel 8:14)
Festa dos Tabernáculos (Lev. 23:33-44)
No dia quinze do sétimo mês, começava a chamada Festa dos Tabernáculos (Sukkot) e durava sete dias. No primeiro dia havia uma santa convocação. Os israelitas deviam construir tabernáculos com folhas de palmeiras e ramos de árvores para morar neles durante os sete dias da festa. No oitavo dia havia novamente uma santa convocação.
A festa lembrava o tempo que os israelitas habitaram em tendas no deserto durante a viagem até a Terra Prometida logo de serem libertos da opressão do Egipto. Por esta razão a festa se torna um tipo da nossa libertação e nossa translação à verdadeira Terra Prometida, Canaã Celestial onde finalmente habitaremos nas moradas que Jesus foi preparar para nós.
Conclusão
Neste trabalho foram descritos os principais aspectos do sistema ritual judaico centrado no santuário, e foram interpretados os principais tipos e símbolos encontrados nestas cerimónias. Evidentemente o trabalho não foi exaustivo (nem pretendia sê-lo) pois deixamos de lado temas interessantes e variados como: o vestuário dos sacerdotes, a cerimónia da novilha vermelha (Num. 19), as libações e ofertas de manjares, o ciclo de anos sabáticos e jubileus e até aspectos das festas descritas que julgamos secundários para este trabalho introdutório. Pensamos ter atingido o nosso objectivo maior, a saber, apresentar as cerimónias judaicas mais importantes e significativas, não só para a interpretação das profecias de Daniel e Apocalipses, mas também para a compreensão do ministério sacerdotal realizado no Santuário Celestial por Jesus, o nosso Sumo Sacerdote.
O Santuário e as Profecias de Daniel
Não é o objectivo deste trabalho estudar em detalhes as profecias do livro de Daniel, porém não é possível realizar um estudo satisfatório do santuário sem se referir à obra de Cristo tal como ela é descrita nos livros de Daniel e Apocalipse. Neste apêndice serão abordadas algumas ideias que mostram esta conexão santuário-profecias e ao mesmo tempo mostram a Cristo como o centro destas duas revelações bíblicas.
Comummente, as profecias de Daniel são estudadas na ordem sequencial dos capítulos (isto é, se estudam os capítulos 2,7,8 e 9, nesta ordem). Mas para os nossos objectivos, será conveniente começar analisando o capítulo 9.
Daniel 9: o Santuário e o Sacrifício
O capítulo começa com uma fervorosa oração. Daniel estava preocupado com a restauração de Israel e principalmente com o estado no qual se encontrava o Templo em Jerusalém (ver, por exemplo, o verso 17). Daniel tinha percebido que os 70 anos de cativeiro previstos por Jeremias estavam chegando ao seu fim e se perguntava se acaso as profecias de tempo dos capítulos anteriores significavam um adiamento da restauração de Israel. Isto preocupava o profeta, pois o exílio do povo, o estado de destruição de Jerusalém e principalmente o fato do Templo estar em ruínas, significava desonra para Deus. Portanto, repetimos mais uma vez, Daniel estava preocupado com a restauração do Santuário em Jerusalém.
Mas o anjo Gabriel foi enviado para dar explicações a Daniel. O anjo lhe explicou que não era o Templo de Jerusalém que devia ser o centro da suas preocupações (de fato o Santuário Terrestre acabaria sendo definitivamente destruído, Dan.9:26) e lhe elevou o olhar para o Santuário Celestial do qual nos fala o livro de Hebreus (ver Heb. 8:1-2). É com o Santuário Celestial que a verdadeira obra de restauração está relacionada. Como veremos, as profecias de Daniel 9,8 e 7 (e grande parte das profecias de Apocalipse) são na verdade revelações acerca do Santuário Celestial.
Como já fora explicado, o versículo 24 faz referência à inauguração do Santuário Celestial (“…e para ungir o Santíssimo”, diz o verso). Isto significa que a profecia das setenta semanas indica o tempo em que entraria em funções o Santuário Celestial. Mas o aspecto mais importante deste capítulo é mostrar ao Messias como o verdadeiro sacrifício em nosso favor, que acabaria com todos cerimoniais do Santuário Terrestre (versos 25 a 27).
Do estudo feito neste trabalho, podemos ver que as festas bíblicas se agrupam em dois polos. Primeiro temos as festas associadas à Páscoa: Pães Ázimos, Primícias e Pentecostes (pois a data de realização da festa de Pentecostes depende da realização da Páscoa. Em segundo lugar temos as festas associadas ao Dia da Expiação: Festa das Trombetas e Festa dos Tabernáculos. Como vemos, o capítulo 9 de Daniel se relaciona com a inauguração do Santuário e com as festas associadas à Pascoa.
Mas, poderíamos pensar, haverá alguma profecia, no livro de Daniel, referente às festas associadas ao Dia da Expiação? A resposta é Sim. Estas profecias estão nos capítulos 7 e 8 de Daniel.
Daniel 7 e 8: Juízo Pré-Advento
A referência mais evidente ao Santuário se encontra em Daniel 8:14: ”E ele me disse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado”. De acordo com o dito nos parágrafos anteriores, a referência deve ser ao Santuário Celestial. É necessário, porém, que entendamos que significa a purificação do santuário.
No contexto de Daniel 8 a purificação do Santuário aparece como a reacção divina frente aos ataques do poder opressor representado pelo chifre pequeno (ver Daniel 8:9-14). No capítulo 7, vemos novamente a acção de um poder perseguidor do povo de Deus e a resposta divina, mas desta vez a reacção de Deus contra os Seus inimigos é representada por um juízo que culmina com a destruição dos inimigos de Deus e, por contraste, a final vindicação do povo de Deus ao receberem o Reino (ver Daniel 7:7-10 e 21-26). Devemos notar também que o Dia da Expiação apontava justamente a acção divina que culminaria com a destruição final do pecado e os ímpios. Fundamentados no princípio de paralelismo das profecias de Daniel e apoiados pelo contexto discutido nas linhas anteriores, podemos concluir que a purificação do Santuário, o juízo mencionado em Daniel 7 e o Dia da Expiação descrevem o mesmo acontecimento e portanto são equivalentes. Esta obra de juízo tem sido tradicionalmente chamada de Juízo Investigativo ou melhor, Juízo Pré-Advento, pois ele acontece antes da Volta de Jesus.
Sumário e Comentários Finais
Temos visto que Daniel 9 está intimamente relacionado com as festas associadas à Pascoa e que Daniel 7 e 8 relacionam-se às festas associadas ao Dia da Expiação. Podemos dizer que estes três capítulos não são mais do que um profecia acerca do Santuário Celestial ou, equivalentemente, sobre a obra de Cristo primeiro como o sacrifício substitutivo e logo como Sumo-sacerdote. É, em última instância, esta profunda relação entre estes capítulos que nos permitem afirmar que os períodos proféticos de Daniel 8 e 9 devem ter início na mesma data, a saber, 457 A.C. com a promulgação do decreto de Artaxerxes (ver Esdras 7:1-26).
Para finalizar, notemos que os capítulos 4 e 5 de Apocalipse não são mais do que uma versão mais detalhada da visão de Daniel 7:9-14. Assim, a relação entre Apocalipse e o Santuário se torna ainda mais intensa e viva o que nos dá maior e mais forte motivação para o estudo dos assuntos relacionados aos serviços nos Santuário, tanto o terrestre como o celestial.
Jesus e o Santuário em Hebreus 9 e 10
O livro de Hebreus em geral, e os capítulos 8, 9 e 10 em particular, é de grande importância para estabelecer o entendimento tradicional adventista acerca do santuário. Em passagens que tradicionalmente mostravam Jesus entrando no Santuário, edições modernas (por exemplo a Edição Contemporânea da versão de Almeida) substituem a palavra “santuário” por “santo dos santos”, dando a entender que Jesus teria entrado no Lugar Santíssimo no ano 31 AD. Neste apêndice analizaremos brevemente tal questão.
No texto grego, a palavra que designa o Lugar Santo em Heb. 9:2 é “Hagia” ( Agia) que literalmente quer dizer “Santo” ( apalavra “Lugar” não aparece no original). A expressão que designa o Lugar Santíssimo no verso 3 é “Hagia Hagíon” ( Agia Agiwn) que significa literalmente “Santo dos Santos” (de novo a palavra “Lugar” não aparece).
Nos versos em questão , por exemplo Heb. 9:12, aparece a expressão `ta hagia” (ta agia) que dignifica “os santos”. O verso, então, diz que Jesus entrou “nos santos (lugares)”, isto é, no Santuário. Aliás, a mesma expressão ( só que no caso genitivo em vez do acusativo) aparece em Heb 8:2, sendo traduzida universalmente como “santuário”. Os professores F. Rienecker e C. Rogers na Chave Linguística do Novo Testamento Grego comentam que a expressão significa o Lugar Santo e o Lugar Santíssimo em conjunto, isto é, santuário.
Portanto concluímos que a tradução certa é “santuário” em concordância com a interpretação adventista.

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